O racismo impõe diversas barreiras no acesso de mulheres negras à saúde e aumenta o risco de mortalidade materna nessa população.
Por Letícia Martins, jornalista especializada em saúde
O racismo está entremeado na cultura, na história, nas instituições e nas atitudes do ser humano. Muitas vezes de forma implícita, outras, escancarada. E ele é tão sorrateiro que contamina até uma área que deveria acolher e cuidar das pessoas: a área da saúde.
Infelizmente, a desigualdade relacionada à cor da pele, que já era imensa, tornou-se evidente com a pandemia da COVID-19. Em 2021, a razão de mortalidade materna voltou a patamares da década de 1990, atingindo 107 mortes a cada 100 mil nascidos vivos. A taxa de mortalidade por COVID-19 foi maior entre a população negra e o índice de mortalidade materna foi duas vezes maior entre as mulheres negras em relação às brancas.
Segundo dados da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, do Ministério da Saúde, as mulheres negras têm menos acesso a métodos contraceptivos e ao pré-natal adequado. “O acesso à saúde deveria ser universal, mas as pessoas mais vulneráveis têm maior dificuldade em acessar o cuidado qualificado. E isso com certeza impacta na qualidade de vida das mulheres negras”, afirma a ginecologista obstetra Dra. Fernanda Garanhani de Castro Surita, presidente da Comissão Nacional Especializada (CNE) de Assistência Pré-natal da FEBRASGO e professora titular de Obstetrícia do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp).
Situações de racismo no atendimento à saúde
Várias situações podem esconder ou escancarar o racismo nos serviços de saúde, sejam eles públicos ou privados. A professora do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretora executiva de Direitos Humanos da Unicamp, Dra. Silvia Maria Santiago, traz à tona o conceito de dois tipos de racismo: o estrutural e o institucional. “O racismo estrutural formata e acompanha os indivíduos desde a infância. Ele se faz presente na sociedade e todos nós, inclusive os negros, estamos ou já estivemos mergulhados nele de certa forma. Crescemos com algum nível de dificuldade de discernir que todas as pessoas têm o mesmo valor, independentemente da cor da pele. Essa deformação é refletida nas práticas profissionais, no ambiente das empresas, instituições, hospitais e universidades”, esclarece.
Há exceções, mas muitos profissionais não conseguem fugir da contaminação do racismo estrutural, e suas condutas dentro das instituições vão sendo regularizadas e aceitas como algo normal. “O racismo é um tema doloroso, mas não podemos fugir dele. Escancará-lo e enfrentá-lo pode funcionar como uma ação curativa para a instituição”, declara a professora da Unicamp.
Para combater o racismo na área da saúde são necessárias diversas ações e mudança de comportamento, a começar pelo reconhecimento de que ele existe e como é manifestado. Dra. Fernanda também defende que falar sobre o tema e reconhecer a dívida histórica que existe com as pessoas negras no Brasil, por conta da escravidão que se estendeu de forma ímpar no nosso país, é parte fundamental do processo de erradicação do problema.
O debate é necessário e amplo demais para ficar somente nas páginas da revista ou deste site. Mas esses espaços são importantes para fomentar discussões saudáveis que levem à mudança de comportamento, implantação de programas e políticas públicas que melhorem o acesso das mulheres negras à saúde e à redução de casos de mortalidade materna dessa população.
Datas importantes de conscientização
Debates sobre o direito das pessoas negras a melhores condições de trabalho, acesso à saúde, respeito e igualdade deveriam ocorrer com frequência ao longo do ano e não somente em ocasiões específicas.
A inclusão de datas voltadas à população negra no calendário nacional e internacional é importante para promover campanhas de conscientização e ações junto à sociedade, além de reconhecer o trabalho e a luta histórica contra o racismo e as desigualdades sociais. Assim temos:
- 25 de julho – Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha
Essa data relembra o marco internacional de luta e resistência da mulher negra para reafirmar a necessidade de enfrentar o racismo e o sexismo. No Brasil, a data também celebra o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Tereza de Benguela foi um líder quilombola que resistiu à escravidão no século XVIII, lutando pela comunidade negra e indígena que vivia sob sua liderança.
- 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra
A data foi escolhida em homenagem ao dia da morte de Zumbi dos Palmares, símbolo de luta e resistência dos negros escravizados no Brasil, bem como da luta por direitos que os afro-brasileiros reivindicam.
Referência:
A edição de maio da revista Femina, produzida pela FEBRASGO e destinada aos ginecologistas e obstetras, traz um artigo assinado pelas médicas Amanda Dantas Silva, Silvia Maria Santiago e Fernanda Surita sobre o racismo como determinante social da saúde. Acesse aqui.