Alta no número de casos no país acende alerta para todas as famílias
Por Letícia Martins, jornalista com foco em saúde
O que leva uma pessoa a pensar em tirar a própria vida ou a cometer de fato o suicídio? A lista de motivos é imensa e traz inúmeras variedades. Dados de 2019 da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontaram mais de 700 mil suicídios por ano no mundo, ou seja, um a cada 100 mortes, colocando o suicídio como um importante problema de saúde pública.
Abreviar a própria vida é um fenômeno que atinge pessoas de diferentes idades, classes sociais e origens, e varia bastante entre os países. De acordo com a OMS, em países com alta renda, os homens lideram essa lista. Já onde existem as rendas mais baixas, a diferença entre homens e mulheres é menor. No conjunto dos países, homens se matam em maior proporção.
Enquanto o número de suicídios está em queda significativa no mundo há mais de 30 anos, o cenário brasileiro é outro. “Infelizmente, o Brasil está na contramão das boas notícias globais. As três últimas décadas foram de ascensão do número de suicídio no Brasil, principalmente entre adolescentes e jovens adultos (com a diferença entre os sexos se estreitando), fato esse que causa um impacto muito maior para a sociedade, tanto do ponto de vista afetivo, de corrosão do tecido social, quanto do ponto de vista econômico”, analisa o médico e psiquiatra Dr. Carlos Cais, mestre e doutor na temática da prevenção de suicídio.
Um dos motivos para essa alta no número de suicídios está relacionado a ausência de uma estratégia nacional de prevenção. “O Brasil não tem uma estratégia nacional de prevenção de suicídio em prática como outros países fizeram. Quando há prevenção de suicídio, as ações repercutem em qualidade de vida”, argumenta o especialista.
Segundo ele, outros fenômenos também influenciam as altas taxas nacionais. “A imagem que se tem do Brasil lá fora é que somos o país do carnaval, de lindas praias e que aqui tudo é ‘relax’. Mas nós somos o oposto disso. Somos o campeão do mundo em transtornos de ansiedade, com praticamente o dobro da média mundial. É um número discrepante!”, alerta o médico.
Dr. Carlos acrescenta que outra patologia que tem grande responsabilidade nesses números é a depressão. “O Brasil também está acima da média mundial em relação à depressão. Infelizmente, nossa nação é hoje um lugar onde as pessoas estão adoecendo mentalmente, e isso é um alto fator que facilita o suicídio, acrescido do uso de substâncias psicoativas, como o consumo de álcool e outras substâncias lícitas e ilícitas, como a nicotina, principalmente depois da chegada do vape”, ressalta o psiquiatra.
Sintomas e sinais que indicam pensamentos suicidas
Para mudar esse cenário preocupante, todos devem agir, e não apenas o Estado. O psiquiatra indica atenção a alguns sintomas que servem de alerta de observação para as famílias e amigos: “As pessoas costumam dar alguns sinais, como comentar frases negativas sobre si mesmas, seu futuro e até sobre o passado, como se nada, em toda a sua vida, tivesse sido bom ou fizesse sentido”.
Vale a pena também redobrar a atenção em pessoas que têm uma mudança brusca de comportamento ou perda de interesse em assuntos ou atividades que gostavam antes. “Algumas situações podem desencadear pensamentos suicidas, como a ruptura de um relacionamento amoroso, a perda de um emprego, uma situação de violência psíquica, dificuldade acadêmica ou de sociabilização, sempre lembrando que o suicídio embora tenha gatilhos é multifatorial”, cita Dr. Carlos Cais.
O profissional indica, então, tentar criar um vínculo de confiança para pessoa se abrir e se permitir ser ajudada. Uma abordagem calma, dando espaço e tempo para ela, mas ficando atento se os sintomas aumentam ou não.
Ajuda profissional é importante para tratar os sintomas
O Dr. Carlos afirma que é preciso compreender o que a pessoa está sentindo, uma dor psíquica insuportável. “Na maioria das vezes a pessoa está buscando um alívio dessa dor, e não a morte propriamente dita”, diz.
“O suicídio é um fenômeno complexo, multifatorial. O Brasil tem essa quantidade grande de transtornos mentais, e ainda oferece pouco acesso ao tratamento. Toda essa instabilidade social e econômica que o Brasil vivencia há muitos anos, além da questão de mobilidade urbana, da segurança e do pertencimento. Vamos pensar no Brasil de muitos anos atrás. A pessoa pertencia a um bairro, a uma comunidade, a um clube, a uma torcida de futebol, a um grupo religioso, a uma descendência étnica, a uma grande família, grande família. Havia uma série de pertencimentos. A sensação de pertencer está em falta atualmente. Ao se desagregar, é como se a pessoa perdesse um fator de proteção, ela fica perdida”, finaliza.
O tratamento médico foca não somente na doença, mas no sofrimento humano em sua totalidade. Se você está com pensamentos suicidas ou conhece alguém que está passando por essa situação, procure ajuda especializada, disponível 24 horas no Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo telefone 188 ou nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) da sua cidade.
Lembre-se: você é muito importante e sua vida é valiosa. Procure ajude. Há muitas pessoas e profissionais que podem estender a mão e ajudar você a passar por esse momento.