Por Letícia Martins, jornalista com foco em saúde
O teste de DNA-HPV oferece mais precisão nos resultados e intervalo maior de tempo entre as coletas.
O Ministério da Saúde iniciou um processo de modernização no rastreio do câncer de colo de útero: o tradicional exame de Papanicolaou será gradualmente substituído pelo teste molecular de DNA-HPV na rede pública. A mudança segue recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera o novo teste mais eficaz na detecção precoce de lesões provocadas pelo papilomavírus humano (HPV), principal causador desse tipo de câncer.
Diferentemente do Papanicolaou (citologia), que analisa alterações nas células do colo do útero, o novo exame identifica diretamente a presença do material genético do HPV, mesmo antes de surgir qualquer alteração celular. Além da maior precisão, o teste permitirá que o intervalo entre os exames, em caso de resultado negativo, seja ampliado de três para cinco anos.
“Essa medida deve ser benéfica para a população, pois estará relacionada a uma redução da mortalidade por câncer de colo uterino, tanto por detectar cânceres de forma mais precoce quanto por permitir acompanhar de perto as mulheres com HPV detectável. Por outro lado, quando o HPV não for detectado, as mulheres poderão ficar tranquilas por vários anos”, explica a ginecologista Dra. Sophie Derchain, secretária da Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Oncológica da Febrasgo e professora titular em ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Vale destacar que a proposta do Ministério da Saúde não é simplesmente trocar um exame por outro, mas organizar de forma mais eficaz a estratégia de rastreio. Um manual foi elaborado para orientar quando o teste deve ser realizado, qual população deve ser incluída, em que situações o Papanicolaou ainda será necessário como exame complementar e como garantir segurança e cobertura ampliada.
Na entrevista abaixo, a Dra. Sophietraz mais detalhes sobre o assunto e esclarece outras dúvidas:
Feito Para Ela: A partir de quando o teste de DNA-HPV vai começar a substituir o exame de Papanicolaou no SUS?
Dra. Sophie Derchain: A implementação do programa de rastreio organizado e com teste de DNA-HPV pode demorar alguns anos, pois depende da disponibilidade dos testes de HPV, que são um pouco mais caros do que a citologia, e também de laboratórios credenciados a fazer o exame. Pode ser que alguns municípios, estados ou regiões consigam implantar o programa mais rapidamente do que outros, dependendo do gerenciamento da saúde.
O mais importante agora é organizar o programa com o objetivo de coletar o exame com intervalos racionais de maneira a abranger a maioria das mulheres de risco, mas sem aumentar excessivamente o custo com coletas desnecessárias.
Feito Para Ela: Por que o teste de DNA-HPV é mais indicado para rastrear o câncer de colo de útero?
Dra. Sophie Derchain: Como as lesões precursoras e o câncer de colo de útero são causados, na maioria das vezes, pelo HPV, o teste de DNA-HPV permite identificar não apenas as mulheres que já têm alguma lesão, mas também aquelas com risco de desenvolvê-la no futuro.
Trata-se de um exame altamente sensível, capaz de detectar quase todos os casos de infecção, mesmo antes de qualquer alteração no colo do útero. Por isso, quando o resultado não detecta HPV, significa que o risco de lesão é muito baixo, o que permite ampliar o intervalo entre os exames para cinco anos, sem prejuízo para a saúde.
Feito Para Ela: Por que o Papanicolaou tem limitações?
Dra. Sophie Derchain: Porque o rastreio feito com o Papanicolaou só mostra alterações quando a lesão já está presente. E mesmo assim, nem sempre é fácil interpretá-las. Muitas vezes, o patologista não consegue definir com clareza se existe ou não uma lesão, e o laudo sai com um resultado incerto, como “células atípicas de significado indeterminado”.
Esse tipo de resultado gera dúvidas, repetições de exame e ansiedade. Em outros casos, a mulher pode ter uma lesão no colo, mas o Papanicolaou não captar nenhuma alteração, o que mostra que sua sensibilidade é limitada.
Além disso, como a citologia não detecta a presença do HPV, ela também não consegue prever se a mulher tem maior risco de desenvolver uma lesão no futuro. Por isso, o teste de DNA-HPV vem sendo considerado uma alternativa mais eficaz, segura e preventiva.
Feito Para Ela: Se o teste de DNA-HPV der negativo, a mulher não precisará mais fazer o Papanicolaou?
Dra. Sophie Derchain: Sim. Um resultado negativo no teste de DNA-HPV indica que a mulher não tem infecção ativa pelo vírus no momento e, portanto, o risco de desenvolver lesões no colo do útero é muito baixo. Por isso, ela não precisa fazer o rastreio com tanta frequência. Nesses casos, o intervalo pode ser ampliado para cinco anos, com segurança.
No entanto, isso não significa que o Papanicolaou será totalmente descartado para sempre. Ele continua sendo uma ferramenta importante para complementar o rastreio em algumas situações. Por exemplo: se o teste de HPV der positivo, o Papanicolaou pode ser usado para verificar se já existem alterações nas células do colo do útero.
Esse modelo de rastreio é mais eficiente porque combina a sensibilidade do teste de HPV com a especificidade do Papanicolaou. E, nos casos em que for identificado um tipo de HPV de alto risco, a mulher pode ser encaminhada diretamente para exames mais detalhados, como a colposcopia, mesmo sem fazer a citologia antes. Ou seja, o Papanicolaou não some, mas passa a ser usado de forma mais estratégica, apenas quando necessário.
Feito Para Ela: O novo teste será oferecido para todas as faixas etárias ou haverá critérios específicos para sua indicação?
Dra. Sophie Derchain: O teste de HPV será oferecido para pessoas nascidas com sistema reprodutivo feminino, a partir dos 25 anos até os 60 anos. Essa faixa etária poderá ser revista, uma vez que a infecção sem lesão é muito prevalente nas mulheres com menos de 30 anos.
Feito Para Ela: O teste de HPV exige preparo diferente do Papanicolaou?
Dra. Sophie Derchain: Para a coleta do teste de HPV não há necessidade de medida específica para preparo pré-coleta. Entretanto, caso o HPV seja detectado, pode ser que precise fazer a citologia, assim, idealmente o preparo para coleta do teste DNA-HPV é semelhante ao do exame de Papanicolaou:
- Evitar relações sexuais nos 3 dias anteriores à coleta.
- Não usar cremes vaginais por pelo menos 24 horas antes.
- Preferir coletar fora do período de sangramento menstrual mais intenso.
Essas orientações ajudam a garantir uma amostra mais adequada, principalmente porque, se o HPV for detectado, o mesmo material pode ser aproveitado para realizar a citologia, evitando nova coleta.
Feito Para Ela: E como é feita a coleta do exame?
Dra. Sophie Derchain: A coleta pode ser feita de duas formas:
- Por médicos ou profissionais de enfermagem capacitados, da mesma forma que o Papanicolaou;
- Por autocoleta, ou seja, pela própria mulher, em sua casa, com um kit apropriado.
Feito Para Ela: A autocoleta do teste HPV é segura?
Dra. Sophie Derchain: Os resultados da autocoleta são muito semelhantes aos da coleta feita por profissionais. Seria muito bom se os materiais para autocoleta fossem distribuídos por agentes comunitários de saúde ou outros profissionais treinados. Assim, as mulheres que não puderem ou não quiserem fazer a coleta na consulta poderão levar o material para casa e devolver a amostra coletada na UBS ou laboratório.
Feito Para Ela: Com o DNA-HPV, o intervalo entre os exames de rastreamento será maior. Isso é seguro?
Dra. Sophie Derchain: Quando o HPV não é detectável, a segurança é muito grande. De alguns anos para cá as mulheres devem ter observado que já não precisam coletar Papanicolaou todo ano porque é seguro esperar três anos entre cada exame. Como o teste de HPV é ainda mais sensível, repetir o exame a cada cinco anos quando o HPV não é detectado é muito seguro, principalmente no SUS onde terá um controle dos testes oferecidos. Ou seja, além de oferecer mais precisão nos resultados e intervalo maior de tempo entre as coletas, esse novo modelo de rastreio permitirá ampliar o acesso, otimizar recursos e garantir que mais mulheres sejam acompanhadas com qualidade e cuidado.
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