Por Letícia Martins, jornalista com foco em saúde
Entre os tumores ginecológicos, ele é o terceiro mais comum, ficando atrás do câncer de colo do útero e do endométrio.
Durante muito tempo, o câncer de ovário foi chamado de “assassino silencioso”, porque costuma dar sinais discretos e ser diagnosticado em estágios avançados, quando as chances de cura diminuem bastante. Embora não seja o tipo de câncer mais comum entre as mulheres, ele está entre os mais letais e representa um dos maiores desafios na saúde da mulher.
“A letalidade é alta. Cerca de metade das mulheres diagnosticadas com câncer de ovário morrem em decorrência da doença”, afirma o ginecologista e obstetra Dr. Eduardo Cândido, presidente da Comissão Nacional Especializada (CNE) em Ginecologia Oncológica da Febrasgo.
De acordo com o médico, o pico de incidência acontece na pós-menopausa, geralmente por volta dos 60 anos. “É importante lembrar que estamos falando de um grupo de tumores que não é único. O câncer de ovário pode se originar de diferentes tecidos (epiteliais, germinativos, do estroma), mas cerca de 90% dos casos são do tipo epitelial, justamente os mais letais.”
Diagnóstico tardio e sintomas persistentes
Um dos principais motivos da alta mortalidade é o diagnóstico tardio. Segundo Dr. Eduardo, dois terços das pacientes recebem o diagnóstico apenas nos estágios mais avançados (estágios 3 e 4), quando as chances de cura são menores e o tratamento se torna mais complexo.
Um dos grandes desafios é que os sintomas do câncer de ovário costumam ser vagos e confundidos com problemas intestinais. Mas há padrões que merecem alerta:
- Barriga constantemente inchada
- Gases frequentes
- Alternância entre diarreia e prisão de ventre
- Dor ou desconforto no baixo ventre
- Sensação de saciedade rápida, mesmo comendo pouco
Esses sinais podem aparecer meses antes do diagnóstico. “Se forem sintomas persistentes, especialmente em mulheres na pós-menopausa, vale procurar o ginecologista”, orienta Dr. Eduardo.
Os principais fatores de risco para o câncer de ovário são:
- Sexo feminino: fator óbvio, já que a doença acomete exclusivamente pessoas com ovários;
- Idade: o pico de incidência ocorre na sexta década de vida, especialmente após a menopausa;
- Histórico familiar: mutações genéticas herdadas, como BRCA1 e BRCA2, aumentam significativamente o risco;
- Sobrepeso e obesidade: especialmente quando associados a alterações hormonais no ambiente estrogênico.
A falta de um exame de rastreamento eficaz torna a situação ainda mais delicada. “Existem estudos muito robustos, com milhares de mulheres acompanhadas ao longo de anos, que mostraram que o uso da ultrassonografia transvaginal e do marcador CA-125 não diminuiu o número de mortes por câncer de ovário. Isso nos diz que, infelizmente, não temos hoje uma ferramenta eficaz de rastreamento para a população geral”, explica o médico.
Embora não seja possível evitar completamente o câncer de ovário, algumas estratégias podem reduzir o risco: “Manter hábitos saudáveis, evitar o ganho de peso excessivo, não fumar e fazer acompanhamento ginecológico regular são medidas fundamentais. O sobrepeso, por exemplo, pode alterar o ambiente hormonal da mulher, com aumento de estrogênio, o que está claramente associado ao câncer de endométrio e pode ter impacto também no de ovário”, afirma o Dr. Eduardo.
Retirada das trompas de falópio
Ele também chama atenção para uma prática preventiva que tem ganhado força nos últimos anos: a salpingectomia oportunística, isto é, a retirada das trompas de falópio durante cirurgias ginecológicas realizadas por outros motivos.
“Estudos anatômicos identificaram alterações iniciais na extremidade da trompa, e isso levantou a hipótese de que muitos cânceres de ovário epitelial, na verdade, começam ali. Por isso, quando a mulher já tem a prole definida e vai passar por uma histerectomia ou outro procedimento, a retirada das trompas pode reduzir o risco futuro”, explica o Dr. Eduardo.
Avaliação genética
Outro ponto importante é a avaliação genética em mulheres com histórico familiar. “Mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 aumentam consideravelmente o risco de câncer de mama e de ovário. Essas mulheres, quando identificadas, podem ser acompanhadas com mais atenção e, em alguns casos, realizar cirurgias preventivas”, destaca.
Segundo ele, em países como os Estados Unidos, o teste genético já é padrão para todas as mulheres diagnosticadas com câncer de ovário. “Isso ajuda a proteger a família também. Se a mutação estiver presente, filhas e irmãs podem ser testadas e tomar decisões com base nessa informação.”
Tratamento e a importância da informação
No tratamento, a cirurgia ainda é o primeiro e principal passo. “O ideal é remover todo o tumor visível. Depois, vem a quimioterapia com drogas como platina e taxanos. Mas temos avançado. Hoje contamos com medicamentos mais modernos, como os inibidores de PARP, que atuam em pacientes com mutações genéticas. Eles ajudam a interromper o ciclo de recorrência da doença e permitem que a paciente fique mais tempo em remissão.”
Mesmo com tantos desafios, Dr. Eduardo reforça que há caminhos possíveis. “A informação é a nossa melhor aliada. Não temos um exame mágico, mas temos conhecimento, pesquisa e cada vez mais terapias disponíveis. É preciso ficar atenta aos sinais do corpo e buscar ajuda ao menor sinal de que algo não vai bem. Essa atenção pode mudar a história de uma mulher.”
Conclusão
O câncer de ovário ainda é um desafio para a saúde feminina. Mas prestar atenção aos sinais do corpo, cuidar da saúde de forma integral e buscar apoio médico especializado pode fazer toda a diferença. Se algo parecer fora do normal e persistente, procure seu ginecologista. Cuidar de si mesma nunca é exagero. Pelo contrário, é um ato de amor e prevenção.