Muito mais do que organização, a gestão financeira – ou uma rotina de cuidados com o dinheiro – possibilita que as mulheres façam escolhas e tenham mais liberdade.
Por Letícia Martins e Priscila Horvat, jornalistas com foco em saúde
O assunto “independência financeira para mulheres” tem sido abordado com mais frequência hoje em dia. Contudo, muito além de ser um tema da moda, é uma questão de necessidade, principalmente porque, em função de dependência financeira dos parceiros, muitas mulheres vivem relacionamentos infelizes ou abusivos.
De acordo com a psicóloga Valéria Meirelles, doutora em Psicologia Clínica e referência em psicologia do dinheiro no Brasil, o assunto “dinheiro” passou a ser estudado como parte clínica com o intuito de entender os motivos pelos quais as pessoas usam dinheiro; por que alguns gastam mais do que outros; o que está por trás da avareza ou do consumo desenfreado, entre outros fatores.
“A forma como nós usamos o dinheiro está muito ligada a aspectos emocionais. O dinheiro é uma ferramenta na mão de humanos, e essa ferramenta sofre as influências na forma como é utilizado”, afirma a psicóloga e autora de livros sobre o tema.
De acordo com Valéria, é muito importante que a mulher tenha controle dos seus gastos e total independência financeira, para que possa alcançar, no fim das contas, liberdade – e não só geográfica, mas de escolhas. E para isso acontecer, começar o quanto antes a economizar é fundamental: “O ideal é que já na infância a criança seja orientada sobre educação financeira dentro da família. Assim que ela crescer e conseguir o primeiro emprego, o hábito de guardar uma parte do salário deve ser incentivado. Porém, o que vemos hoje é algo ainda muito aleatório: muitas pessoas só pensam em poupar quando tem um problema, em vez de pensar antes para evitar que a falta de dinheiro se torne o problema”, explica a profissional.
Embora ainda exista um certo pré-conceito de que a mulher lida melhor com as tarefas de casa e com o cuidado com a família do que o homem, isso tem mudado a cada dia, e o pensamento relacionado ao dinheiro precisava caminhar no mesmo sentido, isto é, a gestão financeira não precisa ser assunto ou responsabilidade exclusiva do homem.
“É claro que, quando a mulher está em um relacionamento, seja hetero ou homossexual homoafetivo, ela pode se juntar ao cônjuge e fazer uma bela parceria para construção patrimonial e na educação dos filhos, sendo duas fontes de renda para prover um sistema. Porém, o que não se pode esquecer é que a mulher tem – ou deveria ter – autonomia para falar e fazer as próprias escolhas relacionadas a dinheiro. Uma mulher independente financeiramente é livre de qualquer tutela e pode tomar decisões baseadas em seus desejos e necessidades”, analisa Valéria.
“O dinheiro ainda tem uma característica de poder”, relata a psicóloga, ao explicar que geralmente quem decide algo em casa é quem tem o “poder” (o dinheiro) em mãos: “A mulher poder querer fazer um curso ou algo para si mesma, mas ainda existe aquela questão do ‘meu marido não deixa’. O dinheiro exerce um poder positivo em relação à tomada de decisão e favorece um posicionamento melhor da mulher em cima daquilo que ela deseja de fato”.
Como começar a organizar a vida financeira
Como Valéria ressalta, é absolutamente saudável e necessário quando a mulher tem o próprio dinheiro.
Assim, para ajudar as mulheres que desejam conquistar a independência financeira, mas não sabem por ordem começar, a psicóloga recomenda praticar o autoconhecimento. “Ele é o primeiro passo para entender sua relação com o dinheiro”, afirma. Nesse sentido, ela elaborou um checklist de perguntas que precisam ser respondidas:
- O que significa dinheiro para você? E nas suas relações?
- Qual a primeira emoção que surge quando você pensa em dinheiro? Essa emoção é boa ou ruim?
- Como as mulheres da sua família usavam ou usam o dinheiro?
- O que você ouviu em casa e da sua família sobre o assunto?
- Quais as frases mais comuns sobre dinheiro que você ouviu?
- Que experiências financeiras familiares você teve e como elas interferem ou interferiram na sua vida?
- Como você lida com suas finanças?
- O que você almeja construir em termos de patrimônio? Qualidade de vida e bem-estar financeiro são seus objetivos?
“Depois de responder essas questões, procure mais informações, estude sobre educação financeira, veja se é necessária a orientação de um planejador financeiro para te ajudar a definir os passos e ter um plano a seguir para ter o que se quer”, indica Valéria. E em casos mais extremos, nos quais haja mais dificuldades em seguir suas orientações, não hesite em levar o tema para a psicoterapia.
O assunto é tão relevante nos nossos dias, que a psicóloga relembra, inclusive, o impacto que ele pode causar na saúde mental. “Ter dinheiro em mãos ou bem investido representa uma dor de cabeça a menos caso algum problema de saúde acontece na família ou outro imprevisto, pois a falta de dinheiro pode desestabilizar completamente uma pessoa”.
A profissional conta que, às vezes, a mulher dá conta das finanças da casa ou do trabalho, mas erra na hora de controlar o próprio dinheiro e, nesse caso, o mais indicado é receber ajuda de um psicoterapeuta e, se possível, buscar um planejador financeiro para que ambos trabalhem em parceria.
Como Valéria costuma frisar, é importante ter clara a ideia de que “o dinheiro não é algo bom ou ruim, ele é simplesmente aquilo que a gente faz com ele”. Ela ainda aconselha: “Do mesmo jeito que as mulheres seguem uma rotina de skin care, isto é, de cuidados com a pele, é preciso seguir uma rotina de money care, olhando e cuidando diariamente do próprio dinheiro, entendendo e controlando as emoções, para que elas não dominem o dinheiro negativamente, através de decisões equivocadas.
Nesse assunto, é preciso pensar com calma, listar os objetivos, enxergar lá na frente, na aposentadoria, por exemplo. E viver sempre um degrau abaixo do que queremos, para conseguir dar todos os passos na vida financeira, construindo o bem-estar financeiro não apenas no presente, mas também no futuro.