Por Letícia Martins, jornalista com foco em saúde
Ter um filho biológico é o sonho de muitas mulheres, inclusive daquelas que formam casais homoafetivos. Graças aos avanços da medicina, esse desejo tem se tornado realidade por meio de técnicas seguras de reprodução assistida.
“É fundamental que os casais homoafetivos saibam que existem caminhos possíveis e respaldados pela medicina. O melhor ponto de partida é procurar um centro especializado em reprodução assistida devidamente regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para receber todas as orientações”, afirma a ginecologista obstetra Dra. Paula Andrea de Albuquerque Salles Navarro, especialista em Reprodução Humana Assistida e membro da Comissão Nacional Especializada (CNE) em Reprodução Assistida da Febrasgo.
Entre os principais tratamentos para a fertilidade estão a inseminação intrauterina com sêmen doado, a fertilização in vitro (FIV) e o método de Recepção de Óvulo da Parceira (ROPA).
Apesar dos avanços, nenhum desses procedimentos está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). “Hoje, cerca de 95% das técnicas de reprodução assistida são realizadas em clínicas privadas. Temos apenas dez centros públicos no país, cada um com critérios próprios de elegibilidade”, expõe a médica.
Como é o processo de reprodução assistida
No caso de mulheres lésbicas, uma das possibilidades é a inseminação intrauterina com sêmen de doador, que consiste em estimular a ovulação da parceira que irá gestar e introduzir o sêmen doado no útero, em um momento próximo à ovulação. A taxa de sucesso gira entre 10% e 15% por tentativa.
Outra possibilidade é a fertilização in vitro, em que os óvulos são coletados em laboratório e fecundados com o sêmen doado. Os embriões formados podem ser transferidos para o útero da própria doadora ou da parceira – nesse caso, o procedimento recebe o nome de ROPA, método que permite a participação biológica das duas mulheres. É chamada também de maternidade compartilhada.
Se nenhuma das parceiras puder fornecer óvulos, há ainda a opção de recorrer a bancos de óvulos anônimos ou à doação por parentes de até quarto grau. Caso o casal não tenha uma parente de até quarto grau disponível para a doação, é possível recorrer a uma doadora sem vínculo familiar. Nessa situação, o casal deve submeter o pedido ao Conselho Regional de Medicina (CRM) e obter autorização formal para seguir com o procedimento.
Já para realizar a inseminação, é necessário que a mulher passe por exames para avaliar as condições do útero e das trompas. E como o Brasil não possui bancos públicos de óvulos e sêmen, a maioria das famílias recorre a clínicas privadas.
Cessão temporária do útero
Outra possibilidade para casais que não podem gestar é a cessão temporária de útero – quando uma mulher se dispõe a engravidar utilizando um embrião de outro casal. Pela norma do Conselho Federal de Medicina (Resolução 3.220/2022), esse recurso é indicado quando há ausência de útero viável.
“Também é possível usar a técnica quando há uma contraindicação médica, como, por exemplo, uma doença em que a gestação levaria um perigo de vida”, explica a Dra. Paula, que é professora associada do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto.
Durante a gestação, é possível providenciar toda a documentação para que essa criança já tenha o seu registro de nascimento em nome dos pais biológicos.
Existe também um protocolo para doadora temporária de útero. Ela deve ser parente de até quarto grau de um dos membros do casal. Além disso, precisa já ter um filho vivo e ser avaliada quanto às condições médicas e psicológicas para passar pelo tratamento.
No caso de não ter uma doadora da família, é possível escolher uma mulher sem vínculo sanguíneo, desde que preencha todos os requisitos para ceder temporariamente o útero. Antes do procedimento, contudo, é necessário fazer uma consulta ao CRM para aprovação da pessoa escolhida pelo casal.
A técnica de cessão de útero é usada também por casais homoafetivos masculinos que desejam ter filhos biológicos. Com informação de qualidade, apoio médico especializado e o devido respaldo ético, é possível transformar o sonho da maternidade ou da paternidade em uma jornada real e segura.
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