Violência sexual é o quarto tipo de ocorrência mais frequente contra a população feminina. Informação é o primeiro passo na luta pelo fim deste tipo de crime
Por Letícia Martins, jornalista com foco em saúde
Infelizmente ainda é muito comum ouvirmos ou assistirmos a um noticiário – seja na TV, no rádio ou nas redes sociais – sobre casos de violência contra mulher. Em 2022, mais de 140 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica e familiar no Brasil, segundo o Atlas da Violência, divulgado em junho de 2024 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Desse total, 12 mil mulheres sofreram algum tipo de abuso sexual.
Na Lei Maria da Penha, estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. “Todos os tipos de violência são complexos, perversos, não ocorrem isoladamente e possuem graves consequências para a mulher. Por violar os direitos humanos, devem ser denunciados”, declara a ginecologista e obstetra Dra. Márcia Sacramento Cunha Machado, membro da Comissão Nacional Especializada (CNE) de Violência sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Mas o que é exatamente violência sexual, o quarto tipo de ocorrência mais frequente contra a população feminina? Será que é “só” quando há sexo sem consentimento ou quando há agressão física durante a relação sexual? E estupro é a mesma coisa que abuso sexual?
A violência sexual trata-se de qualquer conduta que obrigue uma pessoa a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força.
Dra. Márcia esclarece que a violência sexual também é caracterizada pelas seguintes situações:
- Estupro;
- Obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto ou repulsa para ela;
- Impedir o uso de métodos contraceptivos;
- Forçar a mulher a abortar;
- Forçar matrimônio, gravidez ou prostituição por meio de coação, chantagem, suborno ou manipulação;
- Limitar ou anular o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher.
Estupro e abuso sexual são a mesma coisa?
A expressão “abuso sexual” é usada para se referir a atos de violação sexual em que não há consentimento de uma das partes, no caso, a vítima. Pode ser, por exemplo, quando uma pessoa espia a outra tomando banho, sem autorização dela.
“A agressão ou abuso sexual é um termo mais amplo, definido como sendo qualquer tipo de atividade sexual ou contato que não tenha sido consentido pela pessoa. A agressão sexual pode incluir o uso da força e ameaças para coagir algum contato sexual. A vítima é uma pessoa que não dá seu consentimento ou que não pode dar seu consentimento porque está incapacitada”, esclarece a Dra. Márcia.
O estupro é uma forma de abuso sexual e, segundo a legislação brasileira, vai além da penetração sem consentimento. Ou seja, não é preciso que haja a conjunção carnal (introdução do pênis na vagina) para ser considerado estupro, assim como não há necessidade de ejaculação ou satisfação efetiva do prazer sexual.
Sexo oral, masturbação, toques íntimos e introdução forçada de objetos na vagina ou ânus, por exemplo, sem consentimento, também se enquadram nessa categoria de violência sexual. “Denomina-se estupro toda a forma de violência sexual para qualquer fim libidinoso, incluindo, por óbvio, a conjunção carnal. Qualquer pessoa (mulher ou homem) pode ser vítima do estupro quando constrangida (for forçada ou coagida), com emprego de violência (física) ou grave ameaça (de natureza psicológica, moral; intimidação séria; promessa de prática de mal considerável) a praticar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso (que propicie prazer sexual como por exemplo sexo anal ou oral).” Essa definição de estupro está escrita no livro “Violência contra a mulher: aspectos médicos, psicológicos, sociais e legais do atendimento”, escrito pelo ginecologista obstetra Dr. Rosires Pereira de Andrade, presidente da CNE de Violência Sexual da Febrasgo.
O consentimento pode ser negado ou considerado inválido por vários motivos, por exemplo, em caso de pessoa incapacitada, seja porque ela está intoxicada ou tem limitações mentais ou físicas, e menores de 14 anos, conforme o novo artigo 217-A do Código Penal brasileiro, que define como “estupro de vulnerável” o ato de “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos, com pena de reclusão de 8 a 15 anos, independentemente de ter havido violência real.”
Ou seja, se uma menina menor de 14 anos praticar algum ato sexual, presume-se legalmente a violência sexual, ainda que ela tenha realizado o ato por livre e espontânea vontade.
Como saber se fui vítima de estupro?
O fator decisivo para verificar se houve ou não estupro é a existência de um ato sexual não consentido, ou seja, a pessoa expressou sua vontade no sentido de que não queria o ato sexual.
Quando acontece esse tipo de situação, ela geralmente é acompanhada de outros fatores, como o constrangimento, que pode acontecer mediante violência ou ameaça.
Na cultura em que vivemos, em que muitas reclamações fundamentadas são vistas como “mimimi”, é importante ficar de olho em comportamentos que podem ter conotação sexual e ser uma forma de abuso e de violência.
O que fazer em caso de estupro?
Este assunto é muito importante e atinge milhares de mulheres de todas as idades no Brasil. Por isso, a Febrasgo e o Feito Para Ela estão produzindo uma série de conteúdo para orientar as leitoras sobre o tema. Confira a resposta para esta pergunta no próximo texto.
Referências
BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: 27 jul. 2018.
PENHA, Maria da. Sobrevivi… posso contar. 2. ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012.
Manual MSD. fev.2023. https://www.msdmanuals.com/pt/casa/content/termsofuse
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12015.htm#art
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm