Especialista destaca a importância dos exames médicos e periciais para vítimas de violência sexual
Por Letícia Martins, jornalista com foco em saúde
Uma das formas mais graves de violência contra a mulher é o estupro. Em 2023, o Brasil registrou aproximadamente 84 mil ocorrências, um aumento de 6,5% em relação a 2022, de acordo com o Anuário de Segurança Pública, divulgado em junho pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A maioria das vítimas (88%) é composta por mulheres, sendo que 76% são menores de 14 anos. Outro dado que merece atenção é que 61,7% das violências ocorreram no interior da residência da vítima.
Embora este tipo de crime nem sempre deixe marcas visíveis, as vítimas enfrentam consequências psicológicas profundas. “Por isso, a palavra da mulher é muito importante para dar início às investigações pelas delegacias. Nos serviços de saúde, a palavra da mulher basta para receber o atendimento especializado”, destaca a ginecologista e obstetra Dra. Zélia Maria Campos,membro da Comissão Nacional Especializada (CNE) de Violência sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Considerar o depoimento da mulher como base para iniciar a investigação e o atendimento médico é essencial, pois existem situações nas quais a vítima de estupro pode não recordar os detalhes do ocorrido, como em casos de consumo de álcool, drogas ou substâncias dopantes, como a conhecida bebida “Boa Noite Cinderela”.
Passo a passo
Em todas as circunstâncias, a vítima deve passar por um exame médico e pericial completo, a fim de avaliar possíveis marcas físicas e/ou ginecológicas recentes que possam contribuir para a elucidação do caso e auxiliar na decisão sobre o uso de profilaxias para prevenir as principais infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).
“Nessas situações, determinados exames tornam-se mais relevantes, uma vez que a mulher busca comprovar que o estupro ocorreu, e quanto mais cedo eles forem realizados, mais fidedignos serão os resultados”, destaca a Dra. Zélia, coordenadora do Serviço de Atendimento à Vítima de Violência Sexual da maternidade Dr. Moura Tapajoz, em Manaus. Os exames incluem:
- Exame toxicológico por meio de amostras do sangue;
- Testes rápido para HIV, sífilis, hepatite B e C;
- Teste de gravidez;
- Coleta de material biológico, principalmente da região genital, para pesquisa de DNA, espermatozoides e PSA (exame de Antígeno Prostático Específico, útil para detectar esperma em casos de estupro quando a identificação por outros métodos não é viável).
A Dra. Zélia explica que, se a mulher vítima de estupro procurar atendimento dentro das primeiras 72 horas após o incidente, ela deverá ter acesso às profilaxias para a prevenção de gravidez indesejada, bem como para HIV, sífilis, hepatite B e HPV (caso não tenha sido vacinada), gonorreia, clamídia e tricomonas, com atendimento multidisciplinar e prioritário.
Nos seis meses subsequentes ao estupro, a mulher deverá repetir alguns desses exames, conforme protocolo, para assegurar que não contraiu nenhuma doença. “A ausência de resultados positivos nesses exames não garante que o estupro não ocorreu, uma vez que nem todo estupro envolve penetração, e em algumas situações, o agressor pode ter utilizado preservativo”, enfatiza a profissional.
Denuncie!
Em caso de estupro, o próximo passo é denunciar o agressor. A Dra. Zélia recomenda que, se a vítima for uma mulher, a melhor opção é procurar a Delegacia da Mulher mais perto, acompanhada de uma advogada que atue com a perspectiva de gênero e tenha especialização em atender mulheres em casos de violência sexual.
“Infelizmente, ainda são poucos os municípios brasileiros que oferecem esse tipo de atendimento especializado. Por isso, toda delegacia, independentemente de ser ou não especializada, tem a obrigação de registrar a denúncia e instaurar um inquérito policial para iniciar as investigações e buscar a responsabilização do agressor”, esclarece a Dra. Zélia.
O número 180 também serve como um canal de denúncia, encaminhando os casos aos órgãos estaduais de Segurança Pública e ao Ministério Público. É importante ressaltar que o boletim de ocorrência por estupro não pode ser feito pela internet, e a prescrição do crime só começa a contar quando a vítima completa 18 anos.
A partir desse momento, são contados 20 anos, conforme a Lei Joana Maranhão (nº 12.650/2012), que alterou o prazo de prescrição para crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes”, conclui.
Nos casos em que a vítima de estupro é maior de idade, o prazo para a prescrição do crime é de 16 anos, ou seja, desde a data da ocorrência do crime, a vítima tem esse tempo para realizar a denúncia e buscar a punição do agressor.
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Referências
Lei nº 12.650 de 17/05/2012 https://legis.senado.leg.br/norma/589573
Súmula 608 STF
Andrade, Rosires Pereira, 2019. Violência Sexual Contra Mulheres: Aspectos Médicos, Psicológicos, Sociais do Atendimento. 2ª ed. UFPR, 2019. https://www.rosiresandrade.com.br/_files/ugd/6662db_7ee44160a81c4846ba788758d8ff3200.pdf