Conheça alguns dos motivos por trás da queda na taxa de fecundidade do país.
Por Letícia Martins, jornalista focada em saúde
Uma discussão recente nas redes sociais despertou minha atenção. Enquanto algumas mulheres exaltavam a beleza da maternidade e o sonho de ser mãe, outras afirmavam que não tinham interesse em ter filhos. Contra esse segundo grupo, surgiram argumentos como: “Toda mulher nasceu para ser mãe”, “É antinatural uma mulher não querer ter filhos” e o famoso “Quem cuidará de você quando envelhecer?”.
Existe até um termo sendo popularizado para se referir a essa geração de mulheres que não deseja ser mãe: NoMo, sigla em inglês de “No Mothers”, que, traduzido para o português equivale a “Não Mães”. Essa nomenclatura foi cunhada pelas inglesas da Gateway Women, organização sediada no Reino Unido, e encontra respaldo em dados estatísticos.
Desde a década de 1960, o Brasil registra queda constante na taxa de fecundidade, que é o número médio de filhos que uma mulher tem até o fim de seu período reprodutivo. Antigamente, gerar seis filhos estava dentro da média nacional, mas hoje o cenário é bem diferente, com uma taxa de fecundidade de apenas 1,62, ou seja, menos de dois filhos por mulher.
A mudança no padrão reprodutivo também foi apontada em uma pesquisa feita em 2019, com mais de 7 mil pessoas, cerca de 1.100 delas do Brasil. O estudo revelou que 37% das brasileiras não desejam ser mães. É o caso da atriz empreendedora Karen Mayara Silva de Souza Estevam, de 32 anos, que mora na capital paulista: “Desde a adolescência eu já falava que não tinha vontade de ser mãe e ouvia comentários como: ‘você diz isso agora, mas mudará de opinião quando ficar mais velha’. Isso era um pouco desgastante, porque as pessoas simplesmente invalidavam minha vontade só porque eu era jovem”.
Já adulta, Karen se sentiu pressionada por namorados no passado, que faziam planos com filhos sem questionar as vontades e desejos dela. O tempo passou e a maternidade ainda não faz parte dos planos da atriz. “Há aproximadamente seis anos, venho refletindo sobre as questões que cercam as mulheres e a maternidade compulsória é uma delas. Nunca vi lógica em parir se existem tantas crianças para adoção, também nunca concordei com a ideia de que toda mulher nasceu para ser mãe. Na minha opinião, ser mãe é algo muito mais complexo. A partir dessas reflexões, entendi que realmente nunca tive o desejo de ser mãe e, há mais ou menos três anos, firmei essa posição”, conta Karen Mayara, que se diz feliz com as escolhas pessoais e profissionais que tomou até o momento.
Ser mãe nunca esteve nos planos da atriz Karen Mayara Estevam, que se sente realizada com as escolhas pessoais e profissionais. (foto: arquivo pessoal)
Motivos para não ter filhos e o papel da mulher na sociedade
Existem muitas razões por trás da escolha de não gestar. Foco na carreira, dedicação à vida acadêmica, questões financeiras e a preocupação de que a gravidez possa afetar a aparência física são algumas delas.
O Dr. Rui Alberto Ferriani, médico ginecologista e coordenador da Comissão Nacional Especializada (CNE) em Reprodução Assistida da Febrasgo, destaca que a opção por não ter filhos é uma “tendência não só da mulher como do casal moderno, observada tanto no Brasil, como nos Estados Unidos e países da Europa”, e reflete as características do mundo competitivo em que vivemos. “A nova geração, por exemplo, valoriza sua liberdade e enxerga a maternidade como uma responsabilidade adicional”, diz.
Independentemente de concordarmos ou não com o rótulo ou os motivos da geração NoMo, é essencial debater esse assunto de forma respeitosa e ampla, porque, embora as mulheres estejam redefinindo os padrões reprodutivos e mostrando que a maternidade não é a única forma de realização feminina, infelizmente muitos preconceitos ainda prevalecem na população.
“Discutir o papel da mulher em nossa sociedade é uma tarefa complexa, que envolve aspectos psicológicos, culturais, sociais, históricos e principalmente políticos”, afirma a psicóloga Monique Marques Godoy-Dolcinotti, professora da Universidade de Taubaté (Unitau). Esse debate abre espaço para uma série de reflexões sobre a igualdade de gênero, a autonomia feminina e a quebra de estereótipos. “A mulher ainda é percebida em nossa sociedade principalmente pela capacidade de gerar vida, em vez de levar em consideração outras questões, como sua habilidade profissional e suas relações afetivas”, explica Monique. Ou seja, a mulher não deve ser definida apenas pelo papel de mãe, mas sim por todas as suas características e conquistas individuais.
Ela ressalta que há mulheres que decidem não ser mães por uma questão política. “A sociedade impõe essa percepção sobre a mulher a partir de uma visão biologicista, isto é, somente do ponto de vista biológico, e isso gera uma série de normas. Eu posso escolher não ser mãe para combater esses padrões que negam minha identidade e me percebem apenas sobre a regra da maternidade, ignorando quem eu sou enquanto uma pessoa dotada de capacidades, de afetos e de interesses”, argumenta Monique.
Segundo ela, essa pressão social afeta não apenas mulheres cisgênero, mas também indivíduos transgêneros que possuem útero. “Essa discussão é especialmente relevante para a população LGBT, que enfrenta ainda mais pressões e cobranças. A visão biologicista limita nossos papéis de gênero e impõe regras que nem sempre se encaixam na realidade.”
Seja qual for o motivo da escolha em não gerar um filho, é fundamental ressaltar que todas essas mudanças no padrão reprodutivo não diminuem o valor ou a importância da maternidade. Pelo contrário, significa que queremos uma sociedade na qual a mulher tenha o poder de decidir o que é melhor para sua vida e seu futuro, sendo respeitada, sem rótulos nem pressão social.
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