Mulheres que desejam engravidar devem começar a se preocupar com a condição antes mesmo de ver o resultado positivo no teste de gravidez.
Por Letícia Martins, jornalista com foco em saúde
Em 14 de novembro é celebrado do Dia Mundial do Diabetes. A data faz alusão ao aniversário do médico canadense Frederick Banting, que descobriu a insulina em 1921, juntamente com o assistente Charles Best.
Segundo dados do último censo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem cerca de 20 milhões de pessoas com diabetes, condição que pode se apresentar de formas diferentes, sendo as três mais comuns:
- diabetes tipo 1, doença autoimune diagnosticada principalmente na infância e adolescência;
- diabetes tipo 2, mais prevalente na população adulta e
- diabetes gestacional, considerado o distúrbio metabólico mais comum durante a gestação.
A prevalência do diabetes gestacional tem aumentado progressivamente nas últimas décadas em decorrência do sedentarismo, do sobrepeso/obesidade e dos hábitos alimentares não saudáveis entre as mulheres em idade fértil.
Os números emitem um sinal de alerta. Segundo estudos populacionais, entre as mulheres grávidas, a prevalência média mundial do diabetes gestacional é de 16,2%.
No Brasil, a prevalência é de 18%, porcentagem maior que a média mundial, de acordo com uma revisão sistemática recente, publicada em 2023 por Iser e colaboradores, incluindo 6.243 mulheres e considerando os atuais critérios diagnósticos de diabetes gestacional do país (veja mais sobre eles a seguir).
Para entender melhor o que é e como prevenir o diabetes gestacional, conversamos com três ginecologistas e obstetras: Dra. Elaine Christine Dantas Moisés1, Dra. Iracema de Mattos Paranhos Calderon2 e Dra. Rafaela Alkmin da Costa3, que são, respectivamente, presidente, vice-presidente e secretária da Comissão Nacional Especializada (CNE) de Hiperglicemia em Gestação da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Fatores de risco do diabetes gestacional
A gestação promove resistência à ação da insulina em decorrência do aumento do peso corporal e da ação de alguns hormônios produzidos em excesso neste período, como o hormônio lactogênio placentário, o cortisol e a prolactina.
Quando a capacidade na produção de insulina não corresponde à demanda aumentada, desenvolve-se a hiperglicemia ou o diabetes gestacional. Alguns fatores estão associados com maior risco de desenvolver hiperglicemia na gravidez, sendo os principais:
- Idade avançada (acima de 35 anos)
- Sobrepeso e obesidade
- Ganho de peso excessivo durante a gestação
- Sedentarismo
- Antecedente familiar de diabetes
- Antecedente pessoal de diabetes gestacional e outras alterações metabólicas
- Uso de medicamentos hiperglicemiantes, entre eles, os corticoides
- Antecedentes obstétricos ou perinatais relacionados à hiperglicemia materna, sendo o mais comum o recém-nascido macrossômico (com peso maior ou igual a 4 kg).
Prevenção do diabetes gestacional
Nesse sentido, as especialistas explicam que a prevenção do diabetes gestacional deve começar antes mesmo do resultado positivo da gravidez. As mulheres devem planejar a gestação com o objetivo de atuar em fatores de risco modificáveis, fazendo, por exemplo:
- o controle de distúrbios metabólicos e doenças associadas à síndrome metabólica,
- um programa de exercícios físicos,
- terapia nutricional para controle e adequação nutricional antes da gestação e
- avaliação de ajustes ou troca de medicamentos hiperglicemiantes.
Já durante a gravidez, é necessário estabelecer um programa regular e bem adaptado de exercícios e de terapia nutricional para determinar melhor o controle no ganho de peso e, consequentemente, a resistência insulínica.
Além disso, a orientação nutricional é importante para a correção de erros alimentares e para a garantia de aportes nutricionais e ingestão calórica adequadas para as adaptações do organismo materno e para o desenvolvimento fetal no período da gestação.
Rastreamento do diabetes gestacional
Todas as mulheres, sem exceção, devem ser testadas na gravidez, mesmo que não apresentem nenhum fator de risco para o diabetes gestacional. Assim, é importante realizar a glicemia de jejum no início da gestação (até 20 semanas de idade gestacional).
As gestantes com glicemia de jejum inferior a 92 mg/dL (considerado resultado normal) devem realizar o teste oral de tolerância à glicose com sobrecarga de 75g (TOTG-75g), com avaliações da glicose de jejum, 1 e 2 horas pós-sobrecarga, no período entre 24 e 28 semanas.
Para esse teste, considera-se diabetes gestacional quando um ou mais dos valores da glicemia estiver alterado, ou seja:
- Glicemia em jejum maior ou igual a 92 mg/dL e menor que 126 mg/dL;
- 1 hora pós-sobrecarga maior ou igual a 180 mg/dL e
- 2 horas após sobrecarga, com valor maior ou igual a 153 mg/dL e menor que 200 mg/dL.
Se o resultado da glicemia em jejum apresentar valores maiores ou iguais a 126 mg/dL e/ou 200 mg/dL 2 horas pós-sobrecarga de glicose, o diagnóstico de diabetes gestacional pode ser confirmado.
As especialistas da CNE de Hiperglicemia da Febrasgo ressaltam a importância de todos os profissionais de saúde acreditarem nos resultados de exames de rastreamento quando se apresentarem alterados, mesmo que próximos aos valores de corte. Assim, é possível obter um diagnóstico precoce do diabetes gestacional e, consequentemente, tratá-lo de forma oportuna, prevenindo repercussões fetais e neonatais.
Diagnóstico e tratamento
Se o diabetes gestacional for diagnosticado, o tratamento inicial é feito com o programa de atividade física, terapia nutricional e monitorização regular da glicose no sangue. Nos casos em que o controle glicêmico não seja atingido com esses métodos não farmacológicos, o tratamento com insulina pode ser iniciado.
Dra. Elaine, Dra. Iracema e Dra. Rafaela destacam que é fundamental desmistificar o receio de prescrever tratamento farmacológico com insulina, pois é uma droga sabidamente segura e que, quando seu uso é indicado e pertinente, traz impacto positivo nos resultados gestacionais.
Como diagnosticar o diabetes gestacional: doença silenciosa e perigosa, mas que tem tratamento
Fontes desta matéria:
1 Elaine Christine Dantas Moisés é ginecologista e obstetra especializada em Medicina Fetal. Fez mestrado, doutorado e livre-docência em Tocoginecologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). É professora associada do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FMRP-USP e presidente da CNE de Hiperglicemia em Gestação da Febrasgo.
2 Iracema de Mattos Paranhos Calderoné médica com especialização em Ginecologia e Obstetrícia, com mestrado, doutorado e livre-docência pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). É professora titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Unesp e vice-presidente da CNE de Hiperglicemia em Gestação da Febrasgo.
3 Rafaela Alkmin da Costa é médica com especialização em Ginecologia e Obstetrícia, doutorado e livre-docência em Tocoginecologia pela Faculdade de Medicina de Universidade de São Paulo (FMUSP), professora livre-docente do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FMUSP e Secretária da CNE de Hiperglicemia em Gestação da Febrasgo.
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